Sobre Vitória

Minha foto
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil

terça-feira, 30 de julho de 2013

Vão-se os pés, ficam os sapatos.

De acordo com a antiga tradição judaica, os sapatos de um morto não poderiam jamais ser calçados por outra pessoa.  Acreditava-se que se alguém calçasse os sapatos do falecido estaria desonrando sua memória ao tentar percorrer aquele caminho que foi unicamente seu, ou ainda, significaria que se estaria pisando sobre o morto.     
Atualmente, e, em consonância com este novo momento de alguns religiosos verdadeiramente preocupados com a pobreza e comprometidos com uma  proposta de vida digna para todos os homens, a doação dos sapatos passou a ser considerada como um destino honrado para este item do vestuário dos mortos.  Desta forma, como “tzedaká” (caridade sem saber a quem se está beneficiando) a memória daquele ente querido não seria maculada.
Com o falecimento de meu pai há poucos meses, assuntos desta natureza passaram a fazer parte de meu repertório.  Aliás, nesta oportunidade, após 52 anos de vida acho que foi meu primeiro e verdadeiro confronto com a morte.  Custei um pouco a entender as palavras tão sábias de meu filho, que quando da perda deste querido avô, declarou: “No que diz respeito à vida, somos livres para questionar as regras desse grande jogo, mas não de vivê-las. Graciosa e implacável, a natureza joga os seus dados - nos cria, nos transforma, nos une e nos separa. Uma grande ironia: um jogo de azar que permite ao jogador reconhecer a sua sorte.”

Pois então, hoje já entendo que a morte não está para brincadeira. Queiramos ou não, ela nos leva, ou àqueles que tanto amamos, de forma implacável.  Aos que restam no jogo, cabe decidir o que fazer com o que ficou, além da imensa dor, daquele pedaço que nos foi arrancado.  
No que diz respeito aos sapatos, minha família optou pela inutilização deles. Os queimei na churrasqueira que meu pai tanto amava.  A verdadeira motivação para este ritual não acredito ter sido a religiosa. Todos concordamos que seria mais apropriado ajudar os necessitados.  Entretanto, e, por via das dúvidas, acabamos sucumbindo ao medo de que aquele ente tão querido tivesse sua memória ou “repouso eterno” prejudicados de alguma forma, e que teríamos sido responsáveis por isto, pela escolha do destino que teríamos dado aos seus sapatos.
   Definitivamente, a morte conseguiu nos transformar em grandissíssimos covardes. 

2 comentários:

  1. OI Vitória,
    Lamento pela perda do seu pai.
    Não conhecida essa tradição judaíca, mas acho que faz sentido.
    Bj,
    Lylia

    ResponderExcluir
  2. Vim parar aqui por acaso, mas aprendi algo hoje! Sinto pelo teu pai! :(

    ResponderExcluir