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terça-feira, 4 de junho de 2019








As vozes




Não sei exatamente em que idade as pessoas com transtornos psicóticos começam a ser visitadas por delírios. Só consigo rememorar as imagens que vi em filmes de personagens em extremo sofrimento, tentando se livrar das vozes e imagens que os assaltavam, impedindo que vivessem suas vidas de forma autônoma, minimamente felizes e despreocupados.
Comigo aconteceu há alguns anos. Não, não estou psicótica, mas também tenho ouvido vozes. São vozes que não me deixam mais viver tranquila e feliz com as banalidades da vida. 
Acho que isto começou já mais madura, quando decidi me conhecer mais um pouco. Quando comecei a futricar na minha história e vivências muito antigas, lá quase no comecinho de tudo. 
Some-se a isto uma vida profissional recheada de encontros com pobreza, violência intra e extrafamiliar, abandonos de diversas naturezas e com a dificuldade que alguns semelhantes vivem para conquistar um pedacinho de lugar ao sol, na maioria das vezes, sem sucesso.
É sair na rua, ver uma criança mendigando, para ver a imagem de meus filhos quando pequenos no lugar e ficar tentando imaginar como é a vida dela quando não está ali na sinaleira.  É ver aquelas cenas de extermínio em favelas e não conseguir mais enxergar aqueles adolescentes como delinquentes do mal. 
E tem também o outro lado: Se eles ferirem, matarem alguém que amo vou execrá-los e desejar que morram, sofram, sejam vilipendiados no presídio. Mas tenho certeza que estas malditas vozes que tem me atormentado não vão me deixar em paz.
Porque diabos não consigo continuar desprezando, sem questionar, aquela deputada que insiste em transformar pequenos criminosos em vítimas? Quero odiar a infeliz, vão embora vozes malditas! 
E o pior, elas aparecem também quando vou comer. Dia desses, em um churrasco, me peguei lembrando de um filme em que uma criancinha se apega a determinado porquinho e não deixa que o matem para virar comida. A criança é elevada à alma do bem, enquanto come os demais bichinhos pelos quais não se afeiçoou especificamente. 
Não é que criei na minha mente a cena das histórias de ficção naturalista, em que bichos vestidos de gente se alimentam de humanos? Não é que vi pequenas crianças presas no chiqueiro, sujas e enlameadas, esperando o abate?
Não estou aguentando mais. Tem remédio para isto? Não quero mais que estas vozes me façam responder a qualquer postagem nas redes sociais que sugiram preconceito ou soberba. Não quero mais perder amigos. Alguém poderia me ajudar?